Suzana Fonseca
Maurício Martinez morreu enquanto família fazia vigília do lado de fora do PS Central
Quarta-feira de Cinzas. 12h20. O telefone da sucursal de A Tribuna em Praia Grande toca. "É da Tribuna? Preciso da ajuda de vocês. Meu irmão deu entrada com AVC no PS Central segunda-feira. Ele precisa de uma vaga na UTI e até agora não conseguiu".
Desde segunda-feira, a família de Maurício Martinez, morador de Praia Grande, vivia um drama que tem sido comum a dezenas de outras famílias que dependem do SUS da região: aguardar a liberação de vaga em UTI.
Vítima de um Acidente Vascular Cerebral (AVC), o paciente de 52 anos, ironicamente, até ontem estava no Pronto-Socorro Central, a poucos metros do Hospital Irmã Dulce. Um local que, teoricamente, poderia recebê-lo, já que tem 20 leitos de UTI Adulto. Mas todos estavam ocupados.
No entanto, apesar da proximidade, até ontem à tarde, Martinez ocupava um leito no Pronto-Socorro Central, serviço no qual, também teoricamente, deveria ficar somente o tempo necessário para receber o primeiro atendimento, até ser estabilizado e levado para um leito de UTI.
Como ocorre nos demais municípios da Baixada Santista, para conseguir leito na UTI de qualquer hospital público da região, o paciente depende da Central Reguladora de Vagas, controlada pela Secretaria da Saúde do Estado. Sem saberem a quem recorrer,a mulher e a irmã do paciente, Rosimeire Sanchez Martinez e Luciana Marchini de Carvalho, respectivamente, temiam pela vida de Martinez e assistiam, impotentes, à sua gradativa piora.
"Eles falam que o estado dele é estável",contou Luciana."No primeiro dia (segunda-feira) ele não estava entubado.Mas ontem(terça-feira),tiveram de entubá-lo". Conforme Luciana, terça-feira, enquanto levavam Martinez para fazer tomografia, a família percebeu uma movimentação estranha e notou que algo grave estava acontecendo.
"Fomos falar com o médico e pedimos para ver o prontuário dele", relatou a irmã do paciente. "Aí, o médico disse que ele tinha tido uma parada (cardiorrespiratória)". Durante toda a tarde, Luciana ficou do lado de fora do PS Central, ao lado da cunhada, tentando obter informações sobre o quadro clínico do irmão e a respeito da vaga.
Às 16h45, a irmã do paciente, por telefone, já não tinha esperança. "Estou esperando a hora. Ele vai morrer sem ter a menor dignidade, sozinho, num canto da emergência. Ele entrou no pronto-socorro andando e falando. E só foi piorando. Não melhorou em nenhum momento".
Segundo Luciana, na sala da emergência, o irmão ficava a maior parte do tempo sem assistência. "Burlo, toda hora, o segurança que fica na porta e vou até a porta da emergência e vejo que não tem ninguém ali. Ele vai morrer abandonado". Maurício Martinez morreu ontem, às 18h15, na sala de emergência do PS, enquanto a família fazia vigília do lado de fora.
Secretário faz críticas à Central
O secretário de Saúde de Praia Grande, Adriano Bechara, afirmou que houve demora para conseguir leito de UTI na região. A Central Reguladora de Vagas do Estado diz que desde o início havia vaga de UTI e que o paciente não fora removido por conta apenas de seu quadro clínico.
Bechara tem outra versão. Segundo o secretário municipal de Saúde, a vaga de UTI surgira somente ontem, durante o dia, em outra cidade. "Não sei ao certo qual hospital era", disse Bechara. "O paciente estava num estado tão grave, que ele não teria condições hemodinâmicas para ser transportado numa ambulância-UTI. A chance dele morrer no caminho seria muito grande. Então, o médico contraindicou a remoção".
De acordo com o secretário, "a vaga surgiu fora do tempo, depois de quando poderia ser feita alguma coisa". Devido à gravidade do caso de Martinez, não é possível dizer se ele sobreviveria caso fosse para a UTI. "O final poderia ser o mesmo, ele entrar em morte cerebral. Mas ele teria o tratamento de terapia intensiva. Se o pronto-socorro fosse suficiente, não precisaria de UTI", ressaltou o secretário de Saúde.
"O que cabia a nós foi feito", garantiu Bechara. "Ele teve tratamento com clínico geral, neurocirurgião; recebeu todas as medicações; fez tomografia. Mas não tinha vaga de UTI. Todos os leitos da Cidade estavam ocupados".
Na avaliação de Bechara, a localização da Central de Regulação de Urgência e Emergência diminui a agilidade de resposta do serviço. "Ela é centralizada em São Paulo e está sendo alvo de críticas de vários secretários de Saúde, que não estão se sentindo confortáveis de ter uma central de regulação longe de nossa região", explicou. "Já fizemos uma reclamação informal", prosseguiu. "Até agora não foi resolvido. Acredito que tenha de ser solucionado e o Estado tenha de se posicionar, se acha que esse sistema é o melhor".
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